Há muito tempo atrás existiu um rei semibárbaro com idéias extravagantes e malucas e uma autoridade tão grande que permitia que colocasse em pratica toda sua imaginação.
Entre elas estava o da arena pública, uma maneira de punir crimes ou recompensar virtudes, através de um decreto regido por um acaso imparcial e honesto.
Quando alguém era acusado de um crime que interessasse o rei de alguma forma, era decidido que o réu teria seu destino determinado pela arena do rei, um enorme anfiteatro com arquibancadas em circulo e com misteriosas passagens.
Nesta ocasião, todo o povo se reunia nas arquibancadas e o rei em seu trono, rodeado por sua corte, para assistirem o acusado adentrar o anfiteatro. Na direção oposta, duas portas idênticas decidiriam o destino do réu. Assim o réu teria que caminhar livremente até a porta de sua escolha e abri-la.
De uma delas sairia um tigre faminto e cruel que imediatamente saltaria sobre o súdito, deixando-o em pedaços, castigando-o por seu delito, fazendo a platéia sair de cabeça baixa, lamentando a sorte de alguém tão jovem ou tão velho e respeitável.
Por outro lado, se o réu abrisse a outra porta, sairia dela uma dama adequada a sua idade e posição social, escolhida pelo rei entre suas mais belas súditas. E com esta dama o réu era automaticamente casado, não importando se já tivesse sua esposa ou se gostasse de outra dama. O rei não permitiria que pensamentos tão mesquinhos como estes atrapalhassem seu grandioso sistema de recompensas.
E este era o método semibárbaro do rei fazer justiça, pois, uma vez que o criminoso não tinha como saber de que porta sairia a dama ou o tigre a população não podia lançar nenhuma acusação de injustiça, afinal, era o próprio réu o responsável pelo seu destino.
Aquele rei tinha uma filha tão linda e com uma alma tão ardente quanto a dele e entre seus cortesãos havia um homem bonito e valente, porém, de posição inferior a dela. O caso de amor entre eles transcorreu alegremente, até o dia em que o rei descobriu e ordenou que o rapaz fosse julgado na arena do rei, pois cometeu o crime de ousar amar sua filha.
Em todo o reino buscaram o tigre mais selvagem e impiedoso e a donzela mais adequada a ele, caso fosse absolvido.
Chegando o dia marcado, uma multidão de pessoas se aglomerou nas arquibancadas da arena para ver entrar um rapaz belo, alto, charmoso, arrancando suspiros de admiração de todos os presentes. Agora todos entendiam porque a princesa o amava!
Ao avançar pela arena, o jovem se virou para reverenciar o rei, como era costume, mas seus olhos se fixaram na princesa. Ela, por sua vez, nos dias que antecederam o julgamento, não poupou esforços para descobrir em qual das celas estaria o tigre. E ela não só sabia em que cela estaria a dama, como sabia quem era a jovem. Uma das donzelas mais formosas e adoráveis da corte, a qual viu algumas vezes lançar olhares para seu namorado, inclusive julgando que algumas vezes estes olhares eram retribuídos. Por vezes os viu conversando, pequenas conversas, mas muito pode ser dito em instantes.
E no momento que o olhar dos dois se cruzou, ele percebeu que ela sabia em qual das portas estava o tigre. Ela entendeu sua suplica muda, como se ele tivesse gritado a pergunta: Qual das portas devo escolher? Foi então que ela levantou discretamente o braço, indicando a porta da direita. Ele se virou, e com passos firmes foi até a porta da direita e a abriu.
Quem será que saiu daquela porta? O tigre ou a dama?
Isto nos faz refletir sobre as questões do coração. Com que freqüência em seus pensamentos, a princesa não viu seu namorado sendo devorado pelo tigre? E por quantas vezes também não o viu correndo em direção a outra dama, de rosto corado e olhar cintilante? Não seria melhor vê-lo morrer a vê-lo desfrutando de uma vida feliz ao lado de outra? No entanto, aquele tigre medonho e sangrento era assustador!
Assim, deixo a resposta a todos vocês: Qual dos dois saiu da porta aberta? A dama ou o tigre?